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MINHAS LEITURAS 7 - Terra Prometida


Faz tempo que não escrevo nem publico por aqui. Tem sido difícil para mim conciliar todos os compromissos e obrigações domésticas sociais e profissionais junto com o blog e minha carreira artística. Felizmente nas últimas semanas tenho conseguido tirar um tempo para ler e estudar. E nessa semana, conclui mais um dos livros da minha lista de 18 leituras para conhecer o lugar onde eu vivo. ‘Terra Prometida: uma história da Questão Agrária no Brasil’ é a sétima leitura desta lista, e agora compartilho com meus leitores as impressões que tive sobre o livro.


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Porque um fotógrafo foi se interessar pela questão agrária do Brasil?

É muito comum encontrarmos internet à fora a ideia de que não é o equipamento que faz uma boa fotografia. E que mais importante que a câmera, é o olhar do fotógrafo. Mas uma das coisas que aprendi em todos esses anos de fotografia é que a câmera também faz o fotógrafo. O que quero dizer é o seguinte - a câmera fotográfica me fez ver o mundo de uma outra maneira. A câmera fotográfica me fez ver com atenção coisas que, que até então, eu não via.


Entre outras coisas, a fotografia me fez olhar para o lugar onde eu vivia de uma maneira diferente. Me despertou o interesse em querer conhecer não apenas os lugares, mas também a história desses lugares. 


Nessa busca por conhecer as histórias do estado onde vivo (Santa Catarina), me deparei com o livro Geração do Deserto, romance histórico escrito por Guido Wilmar Sassi, publicado em 1964 e inspirado nos eventos da Guerra do Contestado. Até então eu nunca ouvira nada sobre o Contestado, conflito que aconteceu em território catarinense no início do século XX. Eu tinha 22 anos, e desde então a questão do Contestado nunca abandonou meus pensamentos.


Muitas leituras e muitos aprendizados depois, vou me dando conta de como o território e as paisagens são formadas e transformadas. 


Trabalhando com os pescadores na Baía Babitonga, vejo um processo semelhante ao Contestado se repetindo novamente, quase um século depois. A Babitonga - um território coletivo que não pertence à ninguém e pertence a todos - vai sendo “cercada” por grandes empreendimentos portuários, proibindo homens e mulheres de pescarem onde sempre pescaram, e de tirar seu sustento como sempre fizeram. 


E foi durante a escrita da minha dissertação de mestrado sobre os pescadores da Ilha do Morro do Amaral - uma comunidade de pescadores localizada em Joinville, as margens da Baía Babitonga - que eu me deparo com o conceito de acumulação via espoliação de David Harvey, e aí tudo começa a fazer sentido. Embora Harvey esteja falando sobre os processos de privatização em curso no ínicio do século XX, seu conceito diz respeito a uma característica intrínseca ao sistema capitalista: este depende continuamente de uma privatização dos bens comuns para manter seu processo de acumulação sem fim.A ideia de acumulação via espoliação me faz compreender que não apenas as águas, mas que também as terras não tinham donos e que gradualmente foram sendo cercadas, para o benefício de umas poucas famílias e em detrimento da maioria da população. E daí nasce a vontade de querer entender como a terra foi cercada e ‘espoliada’ no Brasil. E assim fica explicado o meu interesse por esta obra, ‘Terra Prometida’. Uma obra que trata justamente da Questão Agrária no Brasil, e ajuda a explicar porque algumas poucas pessoas detém enormes espaços de terra enquanto uma multidão fica desamparada.



Uma história da questão agrária no Brasil (e a influência do latifúndio na política brasileira)


Para todos aqueles que também querem conhecer mais sobre a Questão Fundiária no Brasil, recomendo fortemente este livro. O livro é escrito de maneira acessível, a linguagem é simples mas sem ser superficial. Mesmo o leitor leigo tirará muito proveito dessa leitura.


Iniciando com uma breve história da Questão Fundiária na Europa e na América Latina, os autores mostram como se deu o processo de concentração fundiária no Brasil, as motivações e explicações para este acúmulo, e as tentativas de superar esse legado colonial durante os governos de Getúlio Vargas e João Goulart. A reforma agrária esteve no centro do embate político que antecedeu o golpe de 1964, sendo considerada essencial para o pleno desenvolvimento da nação. Com os militares no poder, os planos de uma reforma agrária sofreram grande retrocesso, mas não chegaram ao fim. A redemocratização e a organização dos trabalhadores sem-terra trouxe novas esperanças, mas a Questão Agrária está longe de ser resolvida. Assim, perde o Brasil a oportunidade de se livrar do seu legado colonial, corrigir suas desigualdades e dar um salto rumo ao desenvolvimento.


Os autores concentram sua análise no período que vai de 1850 - ano da promulgação da Lei das Terras - até o fim da década de 1990 - quando a obra foi lançada. É a Lei das Terras de 1850 que estabeleceu a compra e venda de terras como a única forma de aquisição, encerrando o sistema de sesmarias e estabelecendo um marco legal para a propriedade fundiária (“coincidentemente”, 1850 é também o ano em que chegam os primeiros imigrantes alemães, suíços e noruegues a região que daria origem ao município de Joinville, no qual eu vivo atualmente). É a partir daí que, no Brasil, a terra se torna mercadoria. É a partir daí que a terra passa a ter dono. Mas fica a questão: e antes da Lei das Terras, quem era o “dono” das terras brasileiras? E quais os fundamentos filosóficos e ideológicos que legitimavam a posse da terra antes da lei de 1850? Eu já tenho minhas hipóteses, mas quero estudar mais sobre o assunto. 


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Como complemento a leitura de ‘Terra Prometida’, li a obra de Alceu Luís Castilho ‘Partido da Terra: como os políticos conquistam o território brasileiro’. Excelente obra que demostra como os grandes proprietários de terra ainda continuam dominando e influenciando a política no Brasil. Resultado de uma pesquisa de três anos, o autor faz uma análise minuciosa das declarações de bens entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por prefeitos, vice-prefeitos, deputados (estaduais e federais), senadores e governadores e vice-governadores ao TSE eleitos nos anos de 2008-2010. O livro é repleto de dados, números e relatos relacionados aos políticos e seu negócios, alguns bastante fortes, envolvendo não só desmatamento e grilagem de terras, mas também casos de trabalho escravo e assassinato e massacre de indígenas e trabalhadores sem-terra.


O que fica evidente após essas duas leituras é que a política brasileira sempre foi dominada por grandes proprietários de terra e latifundiários, e que os políticos-latifundiários sempre colocaram seus interesses acima dos interesses da maioria da população, reagindo a qualquer tentativa que ameace seu poder e sua hegemonia. Políticos-latifundiários que invadem e grilam terras, devastam a floresta, criminalizam e assassinam indígenas e trabalhadores sem-terra, utilizam dinheiro e equipamento público para benefício de suas propriedades e trabalham para aprovar leis que beneficiam seus negócios. 


Ao fim dessas leituras, é impossível continuar a ver o território e a paisagem brasileira e catarinense da mesma maneira.



TERRA PROMETIDA - Uma história da Questão Agrária no Brasil (1999)

Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva

Editora Expressão Popular

275 páginas

Ano 2021


PARTIDO DA TERRA - como os políticos conquistam o território brasileiro (2012)

Alceu Luís Castilho 

Editora Contexto

279 páginas (e-book)

Ano 2012



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